Na educação, a luta é por salário, carreira e condições de trabalho!
Reproduzimos aqui texto de Luciano Mendes, professor da UFMG, por entendermos que ele toca em aspectos fundamentais e muito preocupantes sobre esse primeiro mês do Governo Lula quanto ao que se aponta como eixo estruturante da política educacional.
Somamos nossa voz com as entidades dos movimentos estudantil, sindical e popular contra qualquer política fundamentada no empresariamento da educação, que se concretiza por meio do fomento ao mérito e à produtividade docente em detrimento do enfrentamento ao que estrutural e historicamente precarizado: carreira, salário e condições de trabalho!
“Onde estamos nós, pesquisadoras e pesquisadores em educação, neste debate (sobre o MEC)?
No ano passado, quando cobrei, aqui, um debate público sobre a educação no Programa de Governo diziam que isso já estava sendo feito pelas “respectivas equipes” e que não era hora de maior detalhamento. Depois das eleições, quando da criação dos GTs da transição fomos novamente criticados porque denunciamos que no GT de educação havia um excesso de participação das fundações e instituições privadas e nenhum/a sindicalista. Diziam, os críticos, que estávamos colocando o carro à frente dos bois e que era preciso esperar o governo começar.
Montada a equipe de governo, com uma clara ascendência de pessoas ligadas ao empresariado da educação e afins, pouco continuou a se falar do tema. Feitas as primeiras reuniões do Ministro com as fundações privadas e com o Banco Mundial, ao mesmo tempo em que ele se recusava a receber a CNTE e a ouvir o FNPE, o silêncio continuou meio ensurdecedor. Publicada a Carta do Fórum em que há uma defesa enfática de que se mude os rumos iniciais das políticas que se anunciam, a sua circulação foi muito aquém do que seria razoável.
Não bastasse isso, não são poucas, agora, as vozes que, mais uma vez, se voltam contra aqueles que apontam que o rei está nu. Mas, obviamente, nem todes se calam. O FNPE e a CNTE, que eram baluartes das trincheiras em defesa da escola pública durante os famigerados governos de Temer e Bolsonaro e apoiaram enfaticamente a candidatura do Lula, têm se manifestado sistematicamente, ainda que a repercussão de seus pronunciamentos e de suas denúncias não apareçam na “grande mídia”, toda ela de rabo preso com as Fundações e com o empresariado da educação.
Há, também, claro pesquisadores que não se deixam intimidar e se mantêm firmes em defesa da educação pública e contra o seu empresariamento. Por isso, este post é, ao fim e ao cabo, uma saudação ao colega de velha data Luis Carlos de Freitas pela sua coragem e colaboração ao debate público sobre a educação no país [1]. Suas posições são inequívocas e fartamente documentadas por estudos nacionais e estrangeiros. Pode-se discordar dele, mas não se pode acusá-lo de discurso vazio ou “ideológico” sem lastro em pesquisa, ou duvidar de seu compromisso com a educação pública de qualidade socialmente referenciada.
Penso que, com base nas pesquisas que realizamos e acompanhamos, não é possível acreditarmos que o empresariamento da educação será a solução para a escola pública. Desse modo, também não é possível acreditarmos que os mesmos empresários que gastaram os tubos para dar o golpe de 2016 e eleger Bolsonaro, enquanto gastavam merrecas e patacas em fundações privadas de “apoio à educação”, têm efetivo compromisso com a escola pública e com a diminuição da desigualdade no Brasil.
Ainda que Sobral não seja apenas uma vitrine para inglês ver, não se pode acreditar que, reunindo pessoas que ao longo da sua vida e, agora, na gestão do MEC se aproximam muito mais das fundações privadas e do empresariado (e do banco Mundial!), vão de fato trazer soluções para os graves problemas da educação nacional.
Nunca é demais lembrar que os mais graves problemas da educação nacional não são relativos à formação de professores, à gestão escolar ou aos currículos. Estas dimensões, ainda que importantes, são cortinas de fumaça para não enfrentar, de fato as questões estruturais relativas às carreiras, salários e condições de trabalho. Além destas, relacionadas à escola, não deveríamos esquecer que jamais será possível fazer uma escola de qualidade para todes num dos países mais desiguais do mundo! E disso, o empresariado da educação e seus gestores não querem nem ouvir falar!
É sempre mais fácil falar em fomentar e premiar o mérito, em produtividade docente (aliás, não vai longe o dia em que, numa reunião na CAPES ouvi alguém propor criar uma bolsa de produtividade para professores/as da educação básica!), etc e tal. Isto faz parte da mesma tradição brasileira de criar as famosas “escolas exemplares”, “escolas modelos” e que jamais foram disseminadas em todos os territórios.
A atual equipe do MEC retoma, com grande velocidade e sem pudor, as políticas que historicamente combatemos e que, sem dúvida, enchem os olhos daqueles e daquelas que nos anos de 1990 trabalharam com Paulo Renato e cia nos governos de FHC.
O silêncio, agora, em relação às posições e ações do MEC já não mais se justifica e está a me parecer cúmplice e conivente com políticas que outrora criticamos. Como já disse aqui e alhures, governo de coalizão é, mais do que qualquer outro, governo em disputa e, neste caso, penso que os setores democráticos e os movimentos sociais que lutam pela educação pública de qualidade estão perdendo de goleada. Certamente, é preferível perder ao lado de instituições como a CNTE e o FNPE do que ganhar com quem está ganhando; mas sempre é tempo de reagir pois o jogo está sendo jogado e só termina no final (pelo menos assim espero)!”
Luciano Mendes, 02/02/2023.
[1] Ahh!! Estes críticos intolerantes!