
Por uma educação 100% presencial no CEFET-MG: Contra a implantação do Ensino Híbrido!
O decreto 9.057, de 25 de maio de 2017, considera: “educação a distância a modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorra com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, com políticas de acesso, com acompanhamento e avaliação compatíveis, entre outros, e desenvolva atividades educativas por estudantes e profissionais da educação que estejam em lugares e tempos diversos”[1].
Mesmo que o ensino a distância (EaD) seja plenamente realizado em acordo com o delineamento expresso no decreto 9057/17, ele não substitui devidamente a educação presencial, ao prescindir justamente do diálogo presencial entre educador e educandos, condição essencial e fundante do processo educativo. Nesse sentido, o ensino a distância deve ser praticado, da forma como preconizada no trecho acima destacado do referido decreto, apenas em situações excepcionais, nas quais a relação presencial está objetivamente impedida.
A proposta de Resolução que apresenta diretrizes e uma proposta de regulamento para o ensino a distância no CEFET-MG abre a possibilidade de oferta de ensino híbrido em cursos que acontecem de forma 100% presencial, em relação à qual a Diretoria do SINDCEFET-MG se posiciona de forma contrária.
O caderno do ANDES-SN intitulado ‘Projeto do capital para a educação: o ensino remoto e o desmonte do trabalho docente’ [2], produzido pelo Grupo de Trabalho sobre Pesquisa Educacional (GTPE), caracteriza e fundamenta o ensino a distância como uma ferramenta fundamental de privatização da educação pública, especialmente a superior. Essa privatização se expressa pelo crescimento vertiginoso das matrículas em cursos de graduação na modalidade EaD, na rede privada, nas primeiras décadas do sec. XXI.
O EaD é, de fato, um grande negócio para os conglomerados de empresas privadas que vendem a educação como mercadoria, recebendo financiamento público e explorando em alto grau a força de trabalho docente por meio da massificação do ensino, sem garantir um ensino de qualidade, como fica evidenciado na ação ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em outubro de 2019. Nesta ação, a OAB solicitou ao Ministério da Educação a interrupção da habilitação de instituições e a autorização de cursos a distância de Direito. Esse pedido partiu da constatação de um crescimento acentuado da oferta de cursos de graduação à distância na rede privada, com uma redução do ensino presencial e queda da qualidade da educação superior.
Uma revisão de estudos e pesquisas sobre ensino a distância cujo foco foi o impacto dessa modalidade de ensino no trabalho docente, especialmente na rede privada de ensino, destacou os seguintes aspectos: a ampliação do tempo e a intensificação do trabalho docente, a sua fragmentação decorrente da separação entre concepção e execução da atividade de ensinar, e a consequente precarização [3].
A intensificação do trabalho docente ocorre como consequência direta da massificação do ensino proporcionada pelas tecnologias da informação e comunicação. Além disso, se no ensino a distância o trabalho é realizado na casa do docente, está colocada a condição permanente do tempo destinado ao trabalho se sobrepor ao tempo destinado ao descanso. Caberá, ainda, ao docente arcar com, praticamente, todos os custos do trabalho realizado de forma remota.
A separação entre concepção e execução fragmenta a atividade docente em uma cadeia de ações simplificadas que conduzem a uma padronização empobrecedora de todo o processo formativo do ensino a distância. Essa fragmentação da atividade do(a) professor(a) favorece uma maior exploração da força de trabalho docente.
Dados e relatórios, referentes ao ano base 2017, apresentados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), pela Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED) e pela Universidade Aberta do Brasil (UAB) evidenciaram que a evasão nos cursos de ensino a distância é bastante significativa, alcançando os percentuais de 75% nos cursos técnicos e 40% na graduação [4].
O Censo da Educação Superior realizado anualmente pelo INEP tem mostrado que o número de alunos matriculados em cursos EaD vem apresentando um percentual crescente e consistente, especialmente no âmbito de cursos tecnológicos, nos quais esses números são muito maiores quando comparados com os cursos presenciais. Entretanto, se os alunos matriculados em cursos de EaD são maioria, os concluintes são minoria [4].
A causa principal da evasão se encontra na dificuldade do estudante conciliar o tempo exigido para estudos com o tempo dedicado para o trabalho. A pesquisa em escala nacional, realizada em 2017 [4], buscou obter mais informações quanto à percepção dos alunos sobre a qualidade dos cursos e à expectativa sobre o Sistema UAB. Uma análise dos dados relacionados à evasão e aos seus motivos aponta como fatores principais que contribuíram para a evasão: conciliação de trabalho e estudo (40,7%); organização do tempo (26,9%); distância do pólo (21,7%); e interação com tutoria (19,5%).
Se o problema da evasão persiste e se intensifica no ensino a distância, o ensino híbrido não pode ser apresentado como alternativa para combater o problema da evasão nos cursos presenciais.
O tutor, que materializa a fragmentação do trabalho docente, é apontado ao mesmo tempo como um sujeito fundamental e como ponto de fragilidade do processo de ensino, configurado pelo EaD. Nessa perspectiva, fica a pergunta sobre a importância do(a) professor(a) no ensino a distância. Trata-se de uma modalidade de ensino que secundariza o trabalho docente.
A percepção do(a)s estudantes da UAB participantes da investigação mostrou que, em um modelo de ensino a distância, o tutor é peça fundamental. Ele é considerado por muitos como professor ou a primeira fonte de consulta. Se esse tutor falhar em algum momento, todo o trabalho de manutenção dos alunos acaba. Ele é elo entre o aluno e a instituição, em muitas situações é a porta de entrada para o aprendizado ([4], p.4). Completa esse cenário de precarização o dado de que o tutor é o trabalhador do ensino à distância com a mais baixa remuneração.
Portanto, a hipótese de que o ensino híbrido pode diminuir a evasão nos cursos técnicos presenciais, especialmente os subsequentes, não se sustenta com base nos dados apresentados pelo INEP e por entidades que apoiam e ofertam EaD.
O possível conforto da possibilidade de trabalhar em casa e de uma pretensa redução da carga horária média de aulas semanais, proporcionada pelo ensino a distância, vêm acompanhados de uma provável ampliação e intensificação do trabalho docente, assim como de sua precarização e a responsabilização do(a) professor(a) pelos custos do trabalho remoto.
Nossa luta deve ser pela contratação de mais docentes para proporcionar ao(a) professor(a) a necessária condição de desenvolver, com qualidade socialmente referenciada, ensino, pesquisa e extensão. É preciso atrelar a criação de novos cursos à real disponibilidade de professore(a)s para assumir a carga horária adicional resultante. Com base no que tem sido a experiência do ensino a distância na rede privada, ele não pode ser tomado como alternativa para a necessária redução da carga horária média semanal, especialmente de docentes dos campi do interior que se encontram sobrecarregados.
Instituir no CEFET-MG a possibilidade de substituir parte da carga horária presencial – 20% nos cursos técnicos e 40% na graduação – significa reforçar uma dimensão de privatização da política educacional vigente, empobrecer a formação do estudante ao prescindimos da interação presencial, abrir caminho para fragmentar o trabalho docente, além de ampliar e intensificar o tempo a ele destinado, aumentando a precarização já colocada para a educação presencial.
Além disso, há muitas questões em aberto e que merecem um debate mais rigoroso em nossa instituição. Por exemplo, com a implementação do ensino híbrido nossos estudantes terão condições de acompanhar as aulas em suas residências adequadamente?
Nosso(a)s estudantes foram consultados e estão cientes sobre o projeto que tramita no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Instituição (CEPE)?
A experiência do período da pandemia nos demonstrou que em muitos lares há dificuldade de acesso à internet. Em muitas residências há apenas um computador que atende a outros membros da família simultaneamente no horário em que o estudante estará em aula.
Como evitar que no futuro esse modelo híbrido institua convênios com empresas privadas que comercializam pacotes de aulas gravadas, sem qualquer interação com os alunos, como os modelos de telecurso instaurados nos anos 80?
Finalmente, esse modelo híbrido pode se tornar uma forma de se adaptar à drástica redução de vagas docentes, promovido pelos cortes de investimentos na educação, aumentando ainda mais o grau de precarização.
Por isso, a Diretoria Executiva do SINDCEFET-MG se posiciona contrariamente à resolução que apresenta diretrizes e uma proposta de regulamento para o ensino a distância no CEFET-MG, que cria a possibilidade de oferta do ensino híbrido, e defende sua rejeição no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Instituição.
[1] BRASIL. Decreto 9.057 de 25 de maio de 2017. Regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 , que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/d9057.htm> Acesso em: 12 JAN. 2025.. [2] ANDES-SN. Projeto do capital para a educação: O ensino remoto e o desmonte do trabalho docente. v.4, 2020. Disponível em: <https://www.andes.org.br/diretorios/files/renata/setembro/cartilha%20ensino%20remoto.pdf> Acesso em: 12 JAN. 2025. [3] BELINASSO, Filipe. Educação A Distância (Ead) e o Trabalho Docente: o aumento da precarização. 2002. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de Mesquita Filho’, Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília, 2020. Disponível em: <https://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Graduacao/Educacao/Dissertacoes/bellinaso_f_me_mar.pdf> Acesso em: 12 JAN. 2025. [4] OLIVEIRA, Walter Pinto de; BITTENCOURT, Wanderley José Mantovani. A evasão na EaD: Uma análise sobre os dados e relatórios, ano base 2017, apresentados pelo Inep, UAB e Abed. Revista Educação Pública, v. 20, nº 3, 21 de janeiro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/3/a-evasao-na-ead-uma-analise-sobre-os-dados-e-relatorios-ano-base-2017-apresentados-pelo-inep-uab-e-abed. Acesso em: 12 JAN. 2025.